Inspirado nos saberes tradicionais dos sabores dos frutos do Cerrado surgiu a proposta de elaboração do produto Farofa do Cerrado. O projeto é resultado da atuação de profissionais do Instituto Federal de Goiás (IFG) com as associações das comunidades quilombolas (Kalunga, Moinho e Forte) que vivem nas áreas de preservação do Bioma Cerrado na Chapada dos Veadeiros, nos municípios de São João da Aliança, Alto Paraíso de Goiás, Teresina de Goiás e Cavalcante.
A região abriga espécies e formações vegetais únicas, centenas de nascentes e cursos d’água, cachoeiras, rochas com mais de um bilhão de anos e belas paisagens. Além de favorecer pesquisas científicas, o turismo é o grande forte da economia local.
O projeto “Farofa do Cerrado: Produto da Sociobiodiversidade” foi um dos selecionados em uma Chamada Pública (02/2022) lançada no ano passado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza (FGB) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) com o objetivo de apoiar iniciativas inovadoras que contribuíssem para o fortalecimento das áreas naturais protegidas no Nordeste Goiano.
O foco é na conservação ambiental e no desenvolvimento econômico sustentável da região. A proposta recebe investimento no valor de R$ 171.387,00.
Farofa do Cerrado
O professor de Agroecologia Diogo Souza Pinto, do IFG câmpus Cidade de Goiás, mestre em Educação pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e doutorando em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal de Goiás (UFG) é o coordenador do projeto. Segundo ele, a proposta é desenvolver um produto alimentício que integre inovação, conservação ambiental e empreendedorismo social para a autonomia produtiva e comercial dessas comunidades quilombolas.
A ideia é desenvolver o produto alimentício e estruturar um Plano de Negócios para que a Farofa do Cerrado permaneça, após a realização dos trabalhos de pesquisa, como alternativa de renda e fortalecimento dos serviços de turismo em áreas de conservação da Chapada dos Veadeiros.
As ações previstas no projeto visam também fortalecer a preservação das espécies vegetais nativas componentes da receita pelo mapeamento da ocorrência e georreferenciamento, além de possibilitar a produção da Farofa do Cerrado para apoiar a manutenção dessas comunidades nos seus territórios com a comercialização do produto no circuito turístico.
Uma equipe de oito quilombolas das comunidades será beneficiada diretamente para assistência às atividades do projeto na primeira fase. Na segunda, cerca de 20 pessoas de cada comunidade vão participar das oficinas (total 80 pessoas).
E depois, com a produção e comercialização da farofa pretende-se gerar renda para outras famílias extrativistas, coletoras e comerciantes. Ao longo do projeto pretende-se desenvolver a autonomia dessa produção para geração de lucro com a comercialização do produto para as pessoas envolvidas na produção da farofa.
O pesquisador explica que “a organização de todas as atividades do projeto tem sido de forma compartilhada, participativa, horizontal e dialógica com as lideranças que representam as comunidades quilombolas”.
Segredo
Os ingredientes que vão compor o produto ainda estão guardados em segredo, mas a base dele o pesquisador já pode revelar. “Inspirado na ‘paçoca de pilão’, o produto terá como sustentação a farinha de mandioca – que já é um produto de identidade quilombola encontrado em todas as comunidades envolvidas – e contará com a diversidade dos frutos do Cerrado que darão um sabor especial, diverso e de alto valor nutricional”.
O pesquisador explica que se trata de um alimento perfeito para o turismo, pois é altamente energético, fácil de conservar, de carregar para trilhas e com um sabor de identidade único.
“Podemos considerar que a Farofa do Cerrado é um produto da sociobiodiversidade das comunidades quilombolas da Chapada dos Veadeiros. Ao consumir o produto dessas comunidades as pessoas acabam contribuindo para a manutenção delas nas áreas de preservação, com a inclusão socioprodutiva, com o desenvolvimento territorial mais sustentável, assim como garantindo a sobrevivência dessas espécies e a conservação do Bioma Cerrado”, argumenta o professor.
Farofa e turismo ambiental
O pesquisador explica que as comunidades quilombolas envolvidas no projeto têm uma economia baseada na comercialização de alimentos e serviços principalmente atrelados ao turismo ambiental. Segundo ele, participam desse projeto basicamente as lideranças quilombolas que são mulheres, a maioria mães e que já trabalham na comercialização de alimentos.
O professor destaca, porém, que nessas comunidades tradicionais também vive uma juventude formada e qualificada para a atuação, mas que carece de oportunidades de trabalho ou de investimento no território para sua qualificação e atuação profissional, “o que faz com que muitos desses jovens deixem a comunidade para trabalhar em outros lugares. O desenvolvimento dessas comunidades depende muito do investimento nessas pessoas que podem inovar produtos, gerar renda, comercializar e oferecer serviços”.
Lançamento do produto
A expectativa é que até o final de 2024 o produto seja lançado no mercado final, depois de um estudo sistemático e participativo para a elaboração de um Plano de Negócios Colaborativo que torne esse produto uma alternativa viável e lucrativa para as comunidades, conta o professor Diogo.
Será criado um canal de mídia social com as informações sobre os produtos, com material audiovisual de cada comunidade envolvida no projeto focando na sua relação com a natureza, o turismo e a importância dos recursos naturais para os povos e de como a Farofa é produzida. “Trata-se de um processo de estudo sobre os elos comerciais que envolvem cada ingrediente produzido ou coletado no Cerrado”, explica ele.
Etapas
Neste primeiro ano, a equipe está fazendo o georreferenciamento das plantas onde serão coletados os frutos para o mapeamento das espécies e como ferramenta de controle do desmatamento no território e plano de sustentabilidade. Também será dimensionado a oferta das matérias-primas da farofa para se pensar o potencial e a escala de produção de cada território.
O professor explica que as formulações serão diferentes por comunidade, atendendo às especificidades territoriais e levando em conta os insumos disponíveis e a identidade que cada comunidade quer atribuir ao sabor do produto. Serão feitas, ainda, análises sensoriais para conhecer a preferência dos consumidores antes do lançamento do produto para o aperfeiçoamento das receitas. Para esta ação serão realizadas oficinas com cerca de 20 quilombolas por comunidade.
No segundo ano serão realizadas análises de composição nutricional dos produtos e a elaboração dos rótulos e das embalagens da Farofa. Assim como será construído um Plano de Negócios para que as comunidades possam comercializar esses produtos em diferentes espaços como feiras, lojas e plataformas de venda online. “Além do consumo em bares, restaurantes e trilhas, esse produto também pode ser um souvenir que remete aos sabores do Cerrado e das comunidades quilombolas da Chapada dos Veadeiros, sendo um dos caminhos para a soberania e a segurança alimentar e nutricional”, completa o professor Diogo.
“A construção do Plano de Negócios da Farofa do Cerrado é uma forma de garantir a inclusão deste produto no circuito comercial do turismo em áreas de conservação. É uma opção para agregar na renda de pessoas das comunidades que ofertam serviços de alimentação aos turistas. Este projeto pretende trabalhar com uma dimensão emancipadora e educativa para a sustentabilidade financeira, autonomia e ao mesmo tempo a conservação do Cerrado”, conclui.
Parcerias
Os pesquisadores contam com a parceria do Sítio Boca do Mato, pela experiência e qualidade na produção e comercialização de produtos do Cerrado. “É interessante esta parceria porque é uma experiência concreta do potencial comercial e de inovação no processamento de frutos do Cerrado. Na dimensão do empreendedorismo atrelado à conservação e à responsabilidade socioambiental, o Sítio Boca do Mato é uma referência na produção e comercialização com inclusão socioprodutiva”, destaca o professor.
O projeto conta ainda com a parceria da UFG, por meio do Laboratório de Bromatologia e Análises de Alimentos. Esta parceria é importante para a elaboração da tabela nutricional e dos estudos científicos sobre os compostos bioativos e a qualidade nutricional dos produtos a serem desenvolvidos, explica o pesquisador.
Equipe
A equipe do professor Diogo Pinto é composta pela Doutora em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Ariandeny Silva de Souza Furtado, nutricionista do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS IF Goiano/IFG); pelo Doutor em Agronomia Carlos de Melo e Silva Neto, biólogo e tecnólogo em Agroecologia do IFG; e a Mestra em Química Maria Eugenia de Oliveira Ferreira, técnica do Laboratório de Ciências do IFG.
As colaboradoras externas são a turismóloga Lucilene Santos Rosa, Quilombola Kalunga e Especialista em História e Cultura das Africanidades Brasileiras; e a professora Doutora Tânia Aparecida Castro Pinto Ferreira, da Faculdade de Nutrição da UFG. Também participam do projeto estudantes de graduação do IFG dos cursos de Bacharelado em Agronomia, Cinema e Audiovisual do câmpus Cidade de Goiás.
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